Património Artístico do Senhor Santo Cristo
O património material relativo ao Senhor Santo Cristo no Convento de Nossa Senhora da Esperança constitui um significativo testemunho de devoção a Deus e de empatia para com esta Sua representação ao longo dos últimos 330 anos. São de salientar numerosas peças móveis cuja existência só se tornou possível graças a ofertas de crentes ao longo de todo este tempo, por motivos como promessa, reconhecimento, súplica, generosidade. Algumas encontram-se expostas em permanência no Núcleo Museológico do dito mosteiro; as demais estão repartidas por diferentes espaços do edifício.
Em maio, durante o final de sábado e quase todo o domingo das festas anuais em honra do Senhor Santo Cristo, a Sua imagem é adornada com cinco grandes jóias especiais: resplendor, encaixado na parte posterior da cabeça; coroa de espinhos, cingida à cabeça; medalhão-relicário, pendurado ao pescoço por uma corda, ocultando a abertura sobre o peito; cetro, na mão direita; e corda, prendendo os antebraços e as mãos cruzadas. O conjunto destes magníficos exemplares de joalharia portuguesa do século XVIII tem o nome “tesouro do Senhor” e constitui um dos mais belos e valiosos acervos nacionais de joalharia religiosa.
Desde 2015 estas jóias e a própria imagem estão incluídas no regime de proteção legal do património por decisão da Assembleia Legislativa Regional dos Açores, que as classificou como “Tesouro Regional” no Decreto Legislativo Regional 4/2015/A, de 20 de fevereiro: «é atribuída a designação de «tesouro regional» à imagem do Senhor Santo Cristo dos Milagres, do Convento da Esperança na ilha de São Miguel, e seus Cinco Dons – Cetro, Corda, Coroa, Relicário e Resplendor – descritos no anexo ao presente diploma e que dele faz parte integrante, em virtude de se revestir de valor especialmente simbólico para a Região e ter inequívoco valor regional.»
O seu início deve muito aos incansáveis esforços de Madre Teresa da Anunciada (1658-1738) para enobrecer esta representação do seu “Senhor e Fidalgo” e dar pública glória a Deus, embora apenas uma destas criações, a corda das mãos, tenha sido realizada em sua vida. Na sua autobiografia, escrita ao longo de décadas sob ordem e revisão dos seus confessores, a Madre Anunciada relata que nos seus diálogos interiores com Deus recebeu o encargo de pedir ao rei de Portugal, Dom João V, uma coroa de espinhos, um cetro e um resplendor, todos em ouro e guarnecidos com diamantes, bem como uma relíquia (noutro passo fala de um vidro) para a cavidade no peito do busto. O objetivo era desagravar Cristo e expôr a Glória de Deus através da transformação em obras belas e valiosas dos símbolos de realeza, de “Rei dos Judeus”, que por escárnio e humilhação soldados romanos Lhe colocaram no Pretório de Pilatos (coroa, manto e cetro ou cana), a par do símbolo de condenação (corda) e dos posteriores de reconhecimento da santidade (resplendor) e da divindade (peitoral na zona do coração humano, com tudo o que este significa, e que no caso desta imagem de vulto pleno cumpre a função de cobertura da cavidade que terá sido sacrário ou relicário).
As peças desejadas acabaram por ser imaginadas e executadas sem intervenção de Dom João V. Dos Dons identificados como “Tesouro Regional”, o cetro e a coroa foram oferecidos pelos Condes da Ribeira Grande, e os custos com a elaboração da corda, do relicário e do resplendor foram integralmente suportados pelas doações de ouro, prata, pedras preciosas, jóias, dinheiro (e até, pontualmente, o valor do trabalho artesanal) feitas sem interrupção desde o final do século XVII por numerosos fiéis, de anónimos a membros da nobreza e, mesmo, da família real.
Resplendor
O Resplendor, ou Diadema, é a peça mais emblemática do conjunto, além de ser a mais valiosa do seu género na Península Ibérica. Concluído no início de 1785 em Lisboa, por encomenda da 4ª Condessa da Ribeira Grande a joalheiros da Casa Real portuguesa, é em platina revestida a ouro e tem incrustadas quase sete mil pedras preciosas variadas que formam objetos e símbolos bíblicos relacionados especialmente com a Paixão de Cristo e a Eucaristia: o Cordeiro sobre o Livro dos Sete Selos, o Triângulo como sinal da Santíssima Trindade, o Pelicano alimentando os filhos, a Píxide com as hóstias, as Galhetas da água e do vinho; o Jarro, a Bacia e a Toalha, usados no lava-pés de Cristo aos Discípulos; a Lanterna com que foram procurar Jesus no Horto das Oliveiras; o Galo simbolizando a negação de Pedro, o Estandarte dos soldados com as letras SPQR (“Senado e Povo de Roma”), a Bolsa de Judas, a Coluna da Flagelação, os Dados que sortearam a túnica de Jesus, a Espada, a Capa, a Cana que Lhe puseram na mão a fingir de ceptro, a Coroa de Espinhos, a Cruz, os Cravos da Crucifixão, as Escadas, o Alicate, o Martelo, a Esponja com vinagre, a Lança que trespassou o lado do Senhor, a Mão com que foi esbofeteado, a Moca, o Azorrague e o Feixe de Varas com que foi flagelado.
Esta peça foi cedida temporariamente pelo Bispo de Angra, em junho de 2014, ao Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa, a fim de integrar a exposição “Splendor et Gloria – Cinco jóias setecentistas de excepção”, tendo regressado ao Santuário no dia 31 de outubro do mesmo ano.
Existe um outro resplendor, mais singelo, que permanece colocado na imagem durante todo o ano exceto nas três ocasiões: a Novena dos Espinhos, com início na quarta-feira seguinte à de Cinzas; a Festa do Senhor Santo Cristo, no 5º fim-de-semana após a Páscoa, em que a imagem é confiada à guarda da respetiva Irmandade durante um pouco mais de 24 horas; a Festa de Cristo Rei, no domingo anterior ao início do Advento.
Coroa de Espinhos
A Coroa de Espinhos dos dias da festa do Senhor Santo Cristo foi feita em Lisboa, não se tendo atualmente a certeza se cerca de 1788 ou se várias décadas antes. Sobre o ouro, disposto em linhas entrançadas, encontram-se incrustadas mais de mil pedras preciosas e brilhantes, de variadas cores e dimensões, resultando num primor artístico de execução.
A outra Coroa de Espinhos, embora também muito elegante, não contém pedras preciosas.
Relicário
Este busto “Ecce Homo” foi concebido com uma abertura no peito, para aí ostentar uma relíquia ou uma(s) hóstia(s) quando, posteriormente, as autoridades católicas ordenaram que todas essas cavidades fossem esvaziadas e tapadas, a fim de ficar claro que a adoração é feita só a Deus, uma estampa em papel passou a cobri-la e foi-se cristalizando a tradição oral de que o espaço fora um sacrário. Presentemente, porém, pensa-se que, em vez dessa função, terá sido relicário.
Em meados do século XVIII já o lugar da estampa estava ocupado por uma jóia com diamantes; cerca de 1790 esta foi utilizada na feitura do atual Relicário, mais rico, que contém na cruz central uma partícula do Santo Lenho. Ao contrário dos demais elementos do Tesouro, não há no Santuário outra peça com esta função; por isso, este é o único Dom que se encontra permanentemente na imagem. É feito em ouro forrado a prata e contém pedras preciosas.
O Cetro principal, o terceiro dos quatro que foram criados, é de autor desconhecido por ora e data de 1760. Foi sua encomendadora e ofertante a 4ª Condessa da Ribeira Grande, Dona Margarida Francisca Tomásia de Lorena, em memória do marido, D. José da Câmara Teles, casal especialmente devoto e generoso na formação do Tesouro do Senhor Santo Cristo. Executado com ouro, prata, pedras preciosas, e, no topo, aljôfares (pequenas pérolas), aparenta ser um ramo de flores; integra na parte inferior doze folhas móveis e, na base do caule, um laço de filigrana que tem no centro a insígnia da Cruz da Ordem de Cristo com que o dito Conde foi condecorado.
Corda
A Corda que representa aquela que amarrou as mãos de Jesus no Horto para assim ser levado à presença do governador romano Pôncio Pilatos é igual em quase tudo à que circula o Relicário e o suspende do pescoço da imagem. Ambas são em “tissu” de ouro torcido, revestido com fios de prata e de ouro e numerosas pérolas e aljôfares, e estão recamadas com jóias diversas ofertadas por devotos e que nelas vão sendo incorporadas; as extremidades contam com borlas, filigranas e laçadas. Em 2020 as Cordas do século XVIII foram refeitas e reforçadas. A Corda das mãos, com alguns metros de comprimento, é formada por vários segmentos entrelaçados.
Capa
A imagem do Senhor Santo Cristo tem sempre alguma Capa trabalhada a cobri-la dos ombros para baixo, substituindo o arremedo de manto régio que por escárnio foi colocado em Jesus após a Sua flagelação. São quase trinta vermelhas, em veludo ou em damasco e bordadas a ouro em alto-relevo, e vão sendo usadas rotativamente nas procissões anuais. Muitas constituem ofertas feitas à imagem. Uma das do século XVIII foi confeccionada com brocado do manto de D.João V, oferecido pela raínha sua mulher, Dona Maria Ana, por este ter manifestado tal desejo.
Existem outras doze capas, da mesma cor mas muito singelas, para emprestar (inclusive por via aérea) a devotos doentes que solicitem alguma na esperança de melhoras de saúde, e duas brancas e menores destinadas a crianças e adolescentes nessas mesmas circunstâncias.