1713 - Queda da Imagem

A PROCISSÃO DO ANO DE 1713 E A QUEDA DA IMAGEM DO SENHOR SANTO CRISTO DOS MILAGRES

A ilha de São Miguel foi abalada, no final do ano de 1713, por uma grande crise sísmica, que afectou particularmente as freguesias da Candelária, Ginetes, Várzea e Mosteiros. Em Ponta Delgada, os constantes tremores de terra traziam a população alvoraçada. Ninguém dormia em casa com medo de ficar sepultado sob os seus escombros. As notícias que chegavam de toda a parte mais alarmavam, pois ninguém tinha a vida ou os seus bens a salvo.

Dormia-se ao relento debaixo de árvores ou em barracas improvisadas. As refeições eram feitas e servidas ao ar livre. A água, que era pouca, provinha de poços, pois os aquedutos ruíram e os encanamentos partiram-se não chegando ás fontes.

Nesta tão grande aflição, suplicavam ao Senhor por clemência, buscando na oração o refúgio para a salvação divina.

As comunidades religiosas faziam procissões e invocavam a protecção dos santos da sua devoção.

E foi neste ambiente de calamidade, medo e pavor, que algumas pessoas se lembraram de pedir para se fazer uma procissão com a Imagem do Senhor Santo Cristo.

Mas os prodígios que há muito se vinham observando por intercessão da imagem do Ecce Homo, eram tão evidentes, que os devotos se lembraram com fé que seria Ele o remédio para tão grandes tribulações.

Foram então algumas pessoas ao Convento da Esperança, pedir à Madre Teresa d´Anunciada, que deixasse o Senhor sair em procissão pelas igrejas que tinham o Santíssimo Sacramento. Mas esta decisão não dependia de Madre Teresa, mas sim dos seus superiores. Após algumas hesitações, acabaram por decidir que a Imagem do Senhor Santo Cristo saísse em procissão de penitência pelas principais igrejas da cidade.

Concedida a licença, saiu o Senhor no dia 16 de Dezembro de 1713. Não obstante toda a segurança com que o Senhor ia, caiu fora do andor, não por acaso, mas com tanto mistério!

De repente cessaram os tremores com esta queda, porque as de Deus foram sempre para nosso remédio!

Desta queda apenas resultou uma mancha na capa e uma fenda no Seu braço direito.

Como esta ocorrência deu-se perto do Convento de Santo André (actual Museu Carlos Machado), a Imagem foi levada para lá, onde as religiosas cuidaram da sua limpeza, segurança e até a sua ornamentação, regressando depois ao seu Mosteiro, onde foi recebida com muita alegria.

Se devoção já havia, a partir deste acontecimento o povo clamou por um milagre, passando a Chamá-Lo de  “Senhor Santo Cristo… DOS MILAGRES”.

Segundo o historiador, Dr. Hugo Moreira, depois que se reconstituiu esta ocorrência, por altura da procissão do Senhor Santo Cristo dos Milagres, o andor fazia uma breve paragem no local da queda (actual rua Guilherme Poças Falcão), em memória deste acontecimento.

Carta que fez a Madre Sacramento1 à Madre Anunciada, sobre a queda que o Senhor deu

“Minha Irmã Teresa da Anunciada. Não há palavras para explicar-vos os extremos tão opostos com que ontem passamos a tarde, a glória de vermos a meu Senhor Santo Cristo tão belo como quem é etc. A pena de prostrar sua beleza aos pés dos homens. E sendo tão milagroso, não quiz livrar-se da queda, para ainda no tempo impassível, dar esta, com que segunda vez satisfizesse à justiça de seu Eterno Pai; que os pecados do mundo naufragaram o preço da nossa redenção. Ai, minha Teresa: não foi acaso a queda, que em Deus não há acasos, nem foi falta de ir com bem segurança: quiz o Senhor fazer pazes entre a terra e o Céu, pedindo a seu Pai com o Divino rosto no chão, misericórdia por minhas culpas, e por isso se deixou cair vindo para a nossa Igreja.

Grande confusão para mim e para todo o povo, que com pedras batiam nos peitos: ainda os sacerdotes, por verem o Céu caído, sem ser pelas portadas do andor, como afirmam os que levavam junto a Ele as tochas: mas por cima do docel, sem quebrar os cordões de oiro de que era tecido: mas adverti se o Senhor não caíra, não se detivera tanto nesta Igreja, enquanto se limpou e consultou pregar-se nela o sermão com que nesse vosso Mosteiro o esperavam; e ficar dentro na clausura o Senhor até hoje pela manhã para o consertarmos e continuar a procissão; Assim o queria o Padre Provincial e nessa dívida lhe vivemos continuamente obrigadas: mas dizem não quiz o Dr. Juiz de Fora por conselhos de outros letrados; não lhes ponho culta, porque sempre em sucessos grandes, há votos diferentes.

O Reverendo Provincial bem se arrependeu de ter dado licença para o Senhor sair pelo muito que lhe custou o sucesso: mas como o Senhor por sua livre vontade o quiz ter para nos obrigar com novos excessos, ao não ofendermos; há-de sair a público todas as vezes que quiser e não poderá então servir de impedimento o sucesso presente.

Ide visitá-lo da parte desta comunidade toda, pois assim me pedem esta ingratas esposas o faço eu. Perguntai-lhe como passa depois da queda? Se renovou as feridas dos açoites, como fez quando deu as três com a Cruz às costas que quer que façamos para seu alívio? Se até aqui lhe damos fel, já queremos dar-lhe o doce da emenda das culpas que para Sua Majestade é o maior regalo. Devíeis estar muito sentida e com razão: mas reparai em que caindo o Senhor de tão alto, com o peso de nossas culpas não quebrou nem ficou com defeito algum sua Divina Pessoa; por esse grande milagre lhe dou muitas graças e a vós o parabém de terdes já cumprido a sua profecia, bem declarada com o suor antecedente e caída da capa a noite antes que saísse, a soltar-se à sexta-feira, ficando o rosto com a cor denegrida e gotas de suor.

Dizei-me com miudeza este raro caso e que razão tivestes para não o revelar a vosso prelado; para se conferir antes da procissão: nem soubestes avaliá-lo como se devia; altos e ocultos são seus juízos, muitos anos logreis a ventura de ser sua escrava. Não vos esqueçais da petição de Dona Maria para vermos esse grande milagre. Adeus Irmã. Adeus que vos guarde como desejo. – Irmã que vos ama muito

Sacramento”

A Madre Jerónima do Sacramento, foi religiosa no Convento de Santo André, em Ponta Delgada. Era uma exímia florista, por isso era chamada a freira artista. A ela se deve a execução de uma cana de flores de seda, para ornar o Senhor.

Esta Madre foi a primeira Secretária do Senhor Santo Cristo e da Madre Teresa, pois sempre que era necessário escrever uma carta mais elaborada a qualquer individualidade, era a ela que se recorria.

O andor que saiu nas primeiras procissões, foi feito sob a orientação desta Madre.