Princípio

Os factos que estão na origem do que viria a ser o Culto ao Senhor Santo Cristo dos Milagres

Como tudo começou….

Os factos que deram origem ao culto do Senhor Santo Cristo dos Milagres, remontam ao início do povoamento desta ilha de S. Miguel, com a devoção de duas virtuosas jovens, de grande penitência, a quem Deus concedeu os dons do céu.

Este relato histórico começa em Vila Franca do Campo, lugar da ilha de São Miguel, e sua primeira capital, em 1522, por altura do grande terramoto que abalou aquela vila, onde viveu Jorge da Mota, nobre, virtuoso, pessoa muito honrada e que foi cavaleiro do hábito de Aviz.

Homem abastado, possuía casas e pomares. Numa das suas quintas, onde se refugiou aquando do referido terramoto, tinha uma ermida com a invocação de São João Batista. Da sua primeira mulher, Maria Cordeira, viúva e com quem foi casado, teve 3 filhos, António da Mota, Simão da Mota e Cristóvão da Mota e uma filha, Petronilha da Mota.

Convento de Santo André em Vila Franca do Campo
Convento de Santo André em Vila Franca do Campo

Esta filha de Jorge da Mota, que viria a ser das primeiras religiosas da ilha de São Miguel e restantes ilhas dos Açores, era uma moça de grande virtude, discrição, prudência e saber. Com as graças concedidas por Deus, virou costas ao luxo e à riqueza, para ingressar na vida religiosa, preferindo levar uma vida de penitência, contrariando a ideia que casaria com algum conde.

Entretanto, chegou à ilha de São Miguel, vinda de Braga ou Ponte de Lima, Isabel Afonso, que, pressentindo que seu pai a queria casar, contra a sua vontade, saiu de casa às escondidas, em companhia de Rodrigo Afonso, (pelas suas virtudes, foi o primeiro síndico do mosteiro de Santo André de Vila Franca do Campo), que trazia para esta ilha uma sua sobrinha para casar, uma vez que era aqui morador.

Ao chegar à ilha com a sobrinha de Rodrigo Afonso, Isabel Afonso teve conhecimento de Petronilha da Mota e da vida religiosa que esta levava. Cedo tornou-se sua grande amiga, passando a visitá-la diariamente.

Jorge da Mota, constatando a grande amizade que estas duas jovens nutriam uma pela outra, – vivida num ambiente de vida religiosa -, logo a recolheu em sua casa.

Petronilha e Isabel, que mais tarde adoptaram o nome de Maria de Jesus e Maria dos Anjos, respectivamente, passavam a vida a rezar e a jejuar, a maior parte do tempo a pão e água, a visitar as igrejas, descalças, vestidas de burel, num gesto de grande humildade.

Decidiram então estas jovens ir fazer vida santa e recolherem-se numa ermida de Santa Clara, na então Vila de Ponta Delgada.

Certa noite, dizendo a seu pai que iam fazer uma devoção na sua ermida de São João Batista, saíram de casa, levando consigo as quatro irmãs de Maria de Jesus, sendo a mais velha Guiomar da Cruz, Catarina de São João, Maria de Santa Clara e Ana de São Miguel, mas o seu verdadeiro propósito era fazer convento de religiosas e nele servir a Deus.

Nessa mesma noite, sonhou seu pai, que “uma nuvem levou as freiras” – era assim que eram chamadas, pelo hábito que traziam e pelo propósito que tinham de o ser.

O mesmo aconteceu com sua mulher, Bertoleza da Costa (2ª mulher de Jorge da Mota), que sonhou que, “as freiras fizeram como fez Santa Clara”.

Convento da Caloura visto do Miradouro do Pisão
Convento da Caloura visto do Miradouro do Pisão

Entretanto Maria de Jesus (Petronilha), com as suas meias-irmãs e Maria dos Anjos (Isabel Afonso), saíram da ermida de São João Batista, caminhando de noite, sob forte temporal, por caminhos desviados para não serem reconhecidas, em direcção à Ermida de Santa Clara, na vila de Ponta Delgada.

Mas Deus, que as encaminhava, ditou-lhes outro destino, chegando elas a Vale de Cabaços, (o que é hoje a Caloura), em direcção à ermida de Nossa Senhora da Conceição. Em seus corações, sem nada dizerem umas às outras, cada uma sentiu que era ali o seu destino!

Já de madrugada desceram o vale e entrando na Casa de Nossa Senhora sentiram vontade de ali fazerem a sua habitação. Mandaram chamar os oficiais da Câmara e Justiça da vila de Água de Pau, dando-lhes a conhecer as suas intenções, ao que estes lhes agradeceram, por entenderem que eram movidas pela mão de Deus.

Jorge da Mota e demais parentes e amigos, preocupados, dando-se conta do desaparecimento de suas filhas, julgaram terem ido para Lisboa, por naquela noite ter partido um navio do porto de Vila Franca, mas logo teve conhecimento que se encontravam naquela ermida. Para lá se dirigiu com alguns homens de bem, tomou as meninas e mandou-as para casa. Depois insistiu com Maria de Jesus e Maria dos Anjos para que voltassem para casa, mas, nem por bem, nem por mal, nem com ameaças, nem com rogos, conseguiu que lhe obedecessem.

Dali a poucos dias, soando isto por toda a ilha, foi novamente Jorge da Mota e filhos, com alguns padres de São Francisco, com o Capitão Rui Gonçalves da Câmara, com o ouvidor eclesiástico e com pessoas nobres de algumas partes da ilha, ver o que Maria de Jesus e a sua companheira haviam decidido. Mas perante tanta certeza dos seus propósitos, nem o pai, nem os irmãos, nem o Capitão com a sua justiça, nem o ouvidor da igreja, nem pessoas letradas, nem as gentes que naquele dia se juntaram, as puderam demover do que tinham na vontade, pois a tudo respondiam como se fossem guiadas pelo mestre, – o Espírito Santo!

Depois de muita contenda de palavras entre todos, o Capitão disse a Jorge da Mota: Isto é obra de Deus; não trabalheis para estorvar!

Nesta igreja de Nossa Senhora, com muita alegria, viveram durante seis meses, em perfeita clausura, como se de um mosteiro se tratasse.

A Câmara e o povo da vila de Água de Pau tinha o costume de as visitar, com muito amor e carinho, e a expensas próprias, mandaram fazer uma casa, onde se recolheram juntamente com as quatro meninas, que Maria de Jesus entretanto mandara vir, para todas juntas nela entrarem.

Estando a casa concluída, determinou Maria de Jesus, a sua entrada em véspera de Páscoa. Para isso escreveu a seu pai, para que lhe levasse as suas quatro irmãs, mas este, alegando estar perto da Páscoa, disse-lhe que as levaria depois das festas, não tendo qualquer intenção de o fazer.

Convento da Caloura - vista lateral
Convento da Caloura – Vista Lateral

Perante a insistência e determinação de sua filha Petronilha, Jorge da Mota resolveu questionar a sua filha mais nova, Ana de São Miguel, se queria entrar naquela casa, ou se preferia ela ter em casa bolos e folares e tudo o mais que quisesse juntamente com outras crianças. Respondeu-lhe a menina com muita alegria, que antes queria ir servir a Nosso Senhor com sua irmã, do que ter todos aqueles mimos em casa de seu pai, naquela festa. Vendo o pai esta resposta, entendeu que era ensinada pelo Espírito Santo e que era essa a vontade de Deus, pelo que as levou véspera de Páscoa, pelo amanhecer, a Vale de Cabaços, e à tarde, depois da casinha estar telhada, entraram todas nela. Estas seis religiosas viviam nesta casa tão pequena, com muita penitência. Para além da provisão de mantimentos enviada por seu pai, era frequente os oficiais da Câmara da vila de Água de Pau cuidarem delas, pedindo esmolas aos domingos, de porta em porta, para o seu sustento.

Jorge da Mota insistia em retirar as filhas daquele lugar, mas porque esta era obra de Deus, disseram-lhe que não haviam de sair donde Nosso Senhor as metera. E assim terminou esta batalha. Daí por diante todos vinham visitá-las e a outras que se lhe juntaram, a exemplo da sua vocação, fé e virtude.

Rui Gonçalves da Câmara, capitão da terra, movido por esta devoção, tomou a seu cargo aquela casa de nove religiosas, tornando-se seu protector, diligenciando com Roma para que fosse concedida bula, para que fosse convento e mosteiro, com os seus privilégios, e que ele e a mulher, D. Filipa Coutinho, fossem seus protectores. De imediato mudou-se para junto da ermida de Vale de Cabaços. Mandou vir oficiais para fazer muros e oficinas, porque só havia a casa que era sacristia, supervisionando ele próprio a obra. Durante nove ou dez anos em que esteve neste convento, sustentou com provisão de pães e tudo o mais que era necessário.

Mas este mosteiro por se situar junto ao mar, numa zona remota, sem moradores e vizinhança e por causa do perigo dos franceses poderem ir ali ter, os parentes destas religiosas mandaram que as retirassem e mudassem de lugar. Foi então o convento dividido ao meio e a Capitoa, D. Filipa, já viúva, levou para a vila de Ponta Delgada, para o Convento de Nossa Senhora da Esperança uma parte, e a outra foi levada pelos pais e parentes para Vila Franca do Campo, para o Mosteiro de Santo André.

As religiosas deslocadas para o Convento de Santo André, foram: Maria de Jesus (1), Abadessa e a sua companheira, Maria dos Anjos, Isabel do Espírito Santo, Maria da Trindade, Helena da Cruz, Catarina do Salvador, Maria de Cristo, Catarina da Madre de Deus, Cecília do Redentor, Guiomar da Cruz, Maria de São João, todas estas professas, e as noviças Catarina de São João, Maria de São Pedro, Maria de Santa Clara, Francisca de Cristo, Maria de São Lourenço, Maria de São Boaventura, Ana de São Miguel e Úrsula de Jesus.

Convento da Caloura - fachada da Igreja
Convento da Caloura – Fachada da Igreja

Anos mais tarde, em 23 de Abril de 1541, domingo da Pascoela, pela situação de abandono em que ficaram as Religiosas que permaneceram em Vale da Cabaços, deixaram este Vale e foram para o Mosteiro da Esperança na Vila de Ponta Delgada, não de todo acabado, mandado construir pela Capitoa, D. Filipa, tendo sido recebidas pelo povo com grande festa e solene procissão.

Para este Convento da Esperança seguiram as primeiras fundadoras deste Mosteiro, sendo a Presidente, Maria do Espírito Santo, porque não tinham ainda Abadessa formada, Clara de Jesus, Inês de Santa Iria, portuguesa, muito virtuosa e de grande penitência, Maria da Madre de Deus, Isabel dos Arcanjos, Maria do Santo António, Isabel de São Francisco, Catarina da Concepção e as noviças, Águeda de Cristo, Isabel de Santiago, Hiéronima de São Paulo e Maria de São João.

Segundo o Dr. Gaspar Frutuoso no seu livro “Saudades da Terra”, não faz qualquer referência à oferta de uma imagem como sendo a do Senhor Santo Cristo, nem às religiosas que teriam ido a Roma requerer a bula pontifícia.

Já o Padre José Clemente, no seu livro sobre “A Vida da Venerável Madre Teresa da Anunciada”, refere que foram duas as religiosas que se deslocaram a Roma, sendo uma delas, de origem galega, Madre Inês de Santa Iria, em contradição com a religiosa com o mesmo nome referida por Gaspar Frutuoso, que diz ser muito virtuosa e de grande penitência, natural de Portugal, e que se tomou por amor de Deus.

Segundo reza a história, a imagem do Senhor Santo Cristo terá vindo para o Convento da Esperança, trazida pelas religiosas que deixaram Vale de Cabaços.

Neste Convento, foi colocada na Ermida de Nossa Senhora da Paz, onde permaneceu esquecida durante vários anos.

(1) Viveu e morreu neste Convento com fama de santidade

O presente relato histórico foi extraído do livro “Saudades da Terra”, Livro IV, do Dr. Gaspar Frutuoso.